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Foto: Divulgação/Zé Vicente
Foto: Divulgação/Zé Vicente
música

Entrevista: Marcelo Segreto repassa sonhos e contradições de SP no disco “PSSP”, com a Filarmônica de Pasárgada

No disco “Bicho de 7 Cabeças, Vol. I”, lançado em 1993, os gênios da composição Itamar Assumpção e Rita Lee convidam o ouvinte em uma das faixas para “Vir até São Paulo”, onde se deparam com uma infinidade de bairros, pessoas, estilos musicais, crenças, classes sociais, estados de espírito, mudanças de tempo… e uma desenfreada violência, desencadeada pelo seu próprio crescimento.

Os tempos mudaram e a geração é outra. Mas, quase 30 anos depois, quem se dedica à tarefa desafiadora de transformar a metrópole em poesia é Marcelo Segreto. Na companhia do grupo paulistano Filarmônica de Pasárgada, do qual atua como arranjador e compositor, ele lança nesta semana o disco “PSSP” (YB Music/Gravadora Experimental da Fatec Tatuí). O projeto entrega 14 canções que se dedicam a esmiuçar, entre o factual e o onírico, o desenvolvimento da cidade e dos que fizeram dela sua casa.

Entre os convidados estão figuras que conhecem muito bem os rincões da capital. Tom Zé, Barbatuques, Trupe Chá de Boldo, Música de Montagem, Mestre Zelão e Escola Mutungo de Capoeira Angola – todos compartilham a missão.

Nesta entrevista, feita por e-mail, Segreto revela quais leituras faz de “éssepê”, um lugar de constante contradição. O realizador também comentar aspectos pontuais da obra e diz que “o idealismo tem uma função importante” no processo de reconhecimento dos espaços.

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Papelpop: São Paulo pode ser vista como uma confluência de pessoas, de tempos, de experiências boas e ruins. Como você a enxerga, particularmente, para além dessas leituras preliminares?

Marcelo Segreto: Acho que é isso mesmo. São Paulo é essa combinação de pessoas, de culturas de diferentes partes do Brasil e do mundo, o que a torna mais complexa… Uma cidade que, apesar de toda a violência cotidiana que presenciamos de diferentes modos, também amamos imensamente. O Tom Zé já destacou o quanto de amor e dor sentimos nessa relação com a cidade na canção “São, São Paulo, meu amor”, né? Como ele diz, a gente se ama com todo ódio e se odeia com todo amor.

A primeira faixa, “GPS”, fala sobre essa necessidade de localização. Tendo em vista a complexidade dessa cidade que é a maior da América do Sul, o que te desloca, te tira da zona de conforto enquanto artista que vive em São Paulo?

Como São Paulo é tão gigante (com tanta gente vivendo no mesmo lugar) e tão complexa, sinto que a frequência da cidade está sempre lá em cima…. A energia frenética de São Paulo me faz, enquanto compositor, querer responder a isso… parece que a rua está sempre chamando, sempre pedindo uma nova canção… de certa forma, isso me tira da zona de conforto…Há sempre coisas novas, diferentes, estimulando a criação…

Ainda que trate de pautas sérias, muito relevantes, o projeto também opta por fazer uma abordagem meio irônica, um tanto bem-humorada desses mesmos assuntos. Podemos interpretar também como uma tentativa de desmistificar esse imaginário muitas vezes indissociável de que São Paulo é uma cidade que engole as pessoas?

Acho que São Paulo engole mesmo as pessoas, mas a gente também engole São Paulo… Acho que o crescimento do carnaval de rua em São Paulo é um exemplo disso. Há momentos de ser engolido e outros de engolir. Há momentos de festa! As canções mais bem humoradas do disco caminham um pouco por aí… tentando falar de certos assuntos de modo mais irônico, menos pesado…

Você e Tom Zé fazem uma espécie de trajeto pelas ruas de São Paulo, chamando a atenção para o fato de que há um apagamento do que é feminino no processo de batismo desses lugares. Pra você, por que é fundamental falar sobre isso?

A história da cidade de São Paulo, como reflexo da sociedade brasileira, é machista, racista… As nossas personalidades femininas (e também as nossas personalidades negras) são esquecidas, assim como diversos lugares de grande importância histórica e cultural são também apagados do mapa para dar lugar a algum empreendimento de pouco interesse público. É a força da grana… O fato de que apenas 15% dos nomes de ruas da cidade de São Paulo são femininos me chamou muito a atenção. É algo óbvio mas que, em geral, as pessoas não se dão conta, como uma injustiça naturalizada. Acho fundamental falar sobre essas questões, mas, nesse caso, a partir do tema da cidade…

“Spleen” evoca a figura do poeta Álvares de Azevedo, um dos expoentes máximos do romantismo brasileiro, e é uma faixa meio melancólica nesse exercício de revisitar o passado. Lembrando também outros versos como os do Criolo em “Não Existe Amor em SP”… acha que em algum momento o idealismo foi capaz de nos levar a algum lugar, tendo em vista que esta sempre foi uma cidade tão complexa e que se (des)constrói a todo momento?

Acho que sim. O idealismo (estou pensando no sentido mais cotidiano de um ideal a ser perseguido) tem uma função importante, né? É como se a gente trouxesse para o presente o futuro que queremos. Como se antecipássemos a felicidade, a cidade feliz que desejamos. Primeiro sonhamos e depois vamos atrás de realizar o sonho…

A contemplação sonora também aparece em “Psiu”. Que lugar tem o silêncio numa cidade como São Paulo?

Fiz essa canção depois que li o livro “Kaleidosfone” do Nelson Aprobato Filho, um livro sobre a história de São Paulo a partir dos sons da cidade: dos sinos e carros de boi da São Paulo colonial aos apitos e máquinas da cidade do começo do século XX. Depois da leitura, fiquei mais atento aos sons da cidade. Percebi que há uma riqueza nos ruídos e barulhos, apesar da violência sonora (mais uma violência!) e pensei em compor uma faixa que convidasse o ouvinte a escutar o som da sua própria cidade ou do seu próprio ambiente, seja lá onde ele estiver. É como se cada pessoa, ao ouvir a faixa no streaming, criasse a sua própria composição, já que o silêncio será preenchido de diferentes formas, jamais da mesma maneira… Mas talvez todo mundo pule essa faixa quando o silêncio começar (risos). O algoritmo não quer nem saber :)

Quando penso em São Paulo, penso em Rita Lee. A nível pessoal, se pudesse elencar três obras, de qualquer área, que sejam capazes de narrar a história da cidade… quais seriam?

Que legal, também penso na Rita Lee! Pensaria também no livro “Quarto de Despejo” de Carolina Maria de Jesus, no álbum “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais MC’s e no filme “São Paulo, Sociedade Anônima” do Luiz Sérgio Person. Pode mais um? No Tom Zé do álbum “Grande Liquidação”. Inclusive, estava conversando com ele ontem e ele me disse que esse álbum surgiu justamente depois dele assistir o filme do Person…

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