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Foto: Mario Sorrenti/Divulgação
música

Entrevista – Cat Power relembra show gratuito que fez no metrô de SP: “uma das melhores experiências que tive na vida”

Do México, onde se apresentou dias antes na companhia de Jack White, Chan Marshall fala ao telefone de um jeito tímido. Às vezes, em seus longos raciocínios, ela faz pausas e se perde. Não importa. O fato é que a artista norte-americana, que atende pelo nome de Cat Power, parece estar mais tranquila em relação a si mesma.

Aos 50 anos recém-completados, ela se apresenta nesta quarta-feira (12), em São Paulo, como atração do Popload Festival — um retorno aguardado, diga-se de passagem.

Por aqui, ela tem passado com suas turnês desde o início dos anos 2000, quando tocou pela primeira vez no Sesc Vila Mariana, também na capital paulista.

“Hoje estou entrando em um momento que, posso pressentir, vai me transformar para o resto da minha vida e de um jeito bastante positivo”, diz. “Estou encontrando um novo sentido para as coisas, sentidos que nunca tinha experimentado antes. Aprendi que há uma graça em não se sentir capaz de fazer certas coisas. Que posso simplesmente me sentar e contar piadas às vezes, ser presente. Chegar até aqui foi um aprendizado”.

Em sua última passagem pelo País, oito anos antes, Cat Power foi convidada para o mesmo festival. Uma ofensa vinda da plateia acabou levando-a a abandonar o palco durante a primeira das duas apresentações que faria. Mas fãs não demoraram a perdoá-la: horas depois, a cantora decidiu realizar um show de graça na estação de metrô do bairro Paraíso.

“Não faço a mínima ideia do por que quis tocar lá”, conta, divertindo-se. “Na verdade, eu me recordo muito pouco daquele dia. Sei que foi uma das melhores experiências que tive na vida, em especial porque estava grávida e isso me deixou muito sensível. Foi intenso sentir as pessoas tão próximas porque de alguma forma remeteu um pouco ao que sentia quando eu era adolescente e costumava frequentar eventos de rock. Por isso, também está entre minhas memórias o fato de que vomitei um pouco naquele dia”.

“Covers”, o disco mais recente e que deve nortear o repertório desta tarde, foi lançado em janeiro deste ano. Em uma espécie de retrospecto do que fez em outros dois trabalhos anteriores, ela foi buscar nas canções que tem ouvido uma seleção de regravações que refletisse suas inquietações, experiências e desejos. No repertório, estão canções bastante ecléticas que vão de Billie Holiday a Frank Ocean.

Dividida entre as funções de intérprete e compositora, Power diz não sobrepor uma coisa à outra de modo a depreciar habilidades. Seu grande incômodo, por outro lado, está nas engrenagens da indústria, que diz seguir atrapalhando o labor artístico.

“A indústria da música segue sendo controlada por homens, que em geral não apoiam o artista no seu ofício. Isso é curioso porque toda a indústria, em cada cargo, está conectada ao artista, que é quem gera emprego a essas pessoas. Então, meio que a questão de me colocar só como intérprete e ou como cantora e compositora não é conflitante, sempre foi interessante me permitir – algo que essa lógica machista que está aí desde o início não está tão interessada”, explica.

Ela comparou, também, seu ofício a outras funções de artesania, como a de um artista plástico e a de um chefe de cozinha, dizendo que com o passar do tempo foi adquirindo mais responsabilidade consigo mesma.

“Hoje me comprometo a ter amor próprio e tento ter certeza que as pessoas estão me dizendo a verdade. Descobri a importância disso da maneira mais difícil, mas é assim que caminha o negócio da música, ele não foi feito pra proteger ninguém”, explica. “Só não me deixo mais perder o sono por causa de pessoas que quiseram me ferrar lá atrás. Trabalho muito e busco manter amor e alegria no coração”.

Dona de uma voz sensível, Cat Power viveu uma infância conturbada antes de romper sua relação com a família, ainda na adolescência. Ainda que seu repertório traga o frenesi das grandes cidades e seu consequente individualismo, seu trabalho também evoca questões existenciais. Talvez por esse mesmo motivo a crítica tenha afirmado que os últimos discos lhe trouxeram de volta o status de cantora de folk.

Ao analisar a identificação criada pelos fãs com suas letras mais tristes, em especial com o disco “Moon Pix”, de 1998, ela atribui à arte um poder de cura.

“Muita gente busca refúgio nas músicas, mas a verdade este nem sempre é sempre um lugar real, como as drogas e a melancolia também não são. Mas, acredito que é possível encontrar refúgio na experiência humana, na literatura, na poesia, até mesmo limpando a sua casa, na meditação”, afirma.

“É por isso que a arte enquanto música cura tanto. O trabalho sempre nos mantém vivos, inclusive o esforço de criar uma conexão humana com esses projetos, que estão por aí espalhados e nos interligando uns aos outros. Ouvir algo que te toque pode ser transformador. Vejo a simplicidade como um sinônimo de amor. Todas essas emoções partem de um lugar de verdade, de uma maneira ou de outra, e isso não pode ser destruído pela crueldade e pela estupidez”.

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O Popload Festival acontece nesta quarta-feira (12) no Centro Esportivo Tietê, em São Paulo. Apresentam-se ainda outros nomes como Jup do Bairro, Perotá Chingó (ARG), Jack White (EUA) e Pixies (EUA).

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