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Foto: Divulgação
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música

Crítica: Fito Páez canta anedotas e episódios pessoais em “The Golden Light”, melancólico novo álbum

Ainda em 2021, Fito Páez começou a desenhar o que viria a ser uma trilogia. Como se concebida entre os muitos pubs e pianos-bares que a capital portenha Buenos Aires abriga (a despeito de sua gravação majoritariamente feita nos Estados Unidos), “Los Años Salvajes” findou sua travessia neste início de maio. Num geral, as músicas finais aterrissam soprando uma brisa que é meio reencontro, meio despedida.

O derradeiro álbum, “The Golden Light”, vem precedido por um disco de rock bastante tradicional (“Los Años Salvajes”) e um outro centrado unicamente no instrumental (“Futurología Arlt”). Disformes, mas ao mesmo tempo encontrando nas próprias essências uma coerência digna do catálogo a que pertencem, esses “três irmãos” parecem confirmar pela enésima vez as medidas de Páez, um gigante argentino que há mais de 30 anos segue invicto entre seus pares latino-americanos. Maduro e sabendo o que faz, ele canta e toca sem perder de vista a luz da criatividade.

É ela, aliás, quem parece inspirar esse nome, “The Golden Light”. A luz dourada, tão comum nos sonhos. São no total 9 canções, todas compostas pelo artista e centradas em seu piano – um velho conhecido, responsável por conduzir uma jornada intimista onde a poesia e a sensibilidade parecem ser as únicas companheiras. 

Isso se reflete tanto na escolha de faixas cantadas, com letras delicadas e mergulhadas no amor romântico, quanto nos resquícios de um som puro e sem palavras, que eleva a experiência musical a um lugar estrategicamente sensorial. Com produção de parceiros de longa data, entre eles Diego Olivero, e engenharia de som por Gustavo Borner, as surpresas se encaixam de forma sutil entre os devaneios.

Além da excelente faixa introdutória “El Mar de Gerardo”, que evoca as ondas do mar em seu vai-e-vem de notas, merece menção “Los Auriculares”, canção dedicada ao “herói” Charly García. De fato, ela soa algo óbvia, mas pende para a doçura da reverência. García, é importante lembrar, foi homenageado por seu “filho musical” cara a cara durante um grandioso evento no Centro Cultural Kirchner durante as celebrações dos 70 anos de vida. Um evento que parou a Argentina. Um país que celebra seus artistas é um país com memória, ainda que o conservadorismo chie a respeito de suas muitas controvérsias e a incompreensível inventividade.

No centro da lista de melhores composições está um encontro com a morte. “Un Ángel Abrió Alas” é uma anedota que encontra lugar entre temas dolorosos como a ausência dos pais. A mãe, a pianista Margarita Zulema Ávalos de Páez, morreu quando Rodolfo tinha apenas 8 meses de vida. Agarrado ao pai e à avó, o jovem menino viu desabrochar tempos sombrios aliados ao luto internalizado. São eles, endossados pela presença de figuras como a do o Almirante Rojas, que dão ritmo à emocional “Hogar”.

Ela rememora os mortos da ditadura argentina (1976-1983) e os “anos de falsa fé”. Eram os tais “anos selvagens”, de resistência, pulsão de vida e dor.

Mas, como para toda escuridão existe um amanhecer, “Enciende el Amor” cumpre o desejo mesmo que inconsciente de cruzar esse trópico de dramas e perdas. Aqui, Fito volta ao tempo presente como se forçado a olhar para dentro do próprio peito, observando com serenidade o coração se abrir como um grande girassol da vida. Ao fim, a possibilidade de seguir em seus múltiplos sentidos é o que o faz demonstrar respeito pela própria história. 

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“The Golden Light” está disponível em todas as plataformas de streaming.

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