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Foto: Divulgação/JR Franch
(Foto: Divulgação/JR Franch)
música

Entrevista: ao som do pop amazônico, Aíla canta sobre as controvérsias do amor no disco “Sentimental”

O final de setembro não representou apenas o início da primavera, mas também a entrada de Aíla em sua nova fase musical. No último dia do mês, a artista despontou o disco “Sentimental” nas plataformas digitais.

Com nove faixas, o terceiro álbum de estúdio da cantora paraense retrata histórias vibrantes sobre “o conceito mais popular de todos os tempos, o amor”. A obra ainda recebe colaborações de Rincon Sapiência, Luísa Nascim e KEILA.

Há alguns dias, Aíla conversou com o Papelpop sobre o LP. Além de discorrer sobre o amor e suas controvérsias, falou sobre o poder do pop amazônico, sobre o que a faz amar, sentir-se viva, e como “às vezes é no tombo que a gente renasce”.

Morando atualmente em São Paulo, a cantora passa alguns meses do ano no Pará não só para ficar com a família, mas porque “é o que me alimenta”, ela conta. Durante o papo, ainda revelou estar trabalhando no projeto documental “Mestras do Pará”, que torna visível as narrativas e vozes das grandes artistas da música popular paraense.

Abaixo, você confere a entrevista completa.

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Papelpop: Aíla, o amor é a base do seu disco. Hoje, entre tantas possibilidades do que significa esse conceito, o que te faz amar no sentido mais puro da palavra?

Que bonito. O que une a gente assim, o brasileiro, é essa emoção à flor da pele. E o amor tem muito a ver com isso, né? Seja no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste, no Sul, o Brasil tem muito dessa coisa sentimental na música popular, na música pop. Nessa pandemia, eu senti isso muito presente dentro de mim – querer me conectar com as pessoas através desses sentimentos. O que faz as pessoas acordarem sorrindo, ouvindo som alto, e vão dormir chorando, lamentando? O que cruza a gente e faz querer cantar uma música, cantar alto, sofrer cantando alto? Acho que o amor faz parte realmente dessas conexões, desses elos. O que me faz amar é essa necessidade de me conectar com o outro, é entender o que faz bem pro outro, o que faz sofrer também. Acho que a conexão passa por altos e baixos das sensações. Então, amar sempre vem nessa força contrária também. O que faz a gente chorar? Eu acho que é isso.

Papelpop: O disco conta com diversos gêneros como brega, calypso, brega funk, pisadinha e pagodão. Tudo sob um guarda-chuva do pop. Em que lugar esses ritmos se encontram na sua vivência?

Eu nasci numa periferia de Belém chamada Terra Firme. Nasci e morei por 25 anos nessa periferia e, igualmente a qualquer periferia do Brasil e do mundo, falta muita coisa, mas geralmente tem a arte muito pulsante ali também. Tem muita inovação quando se fala em música, em cultura e eu sempre ouvi muitos sons da América Central, da região Norte, da região amazônica. Lambada, calypso, zouk, tecnobrega e todas essas variações. O bregafunk que surgiu há pouco tempo, a pisadinha… esses ritmos muito quentes e tropicais que tem a ver com a região amazônica e com o Brasil como um todo. Eu acho que a minha ligação surge a partir daí, de onde eu vim. E aos fins de semana no meu bairro sempre tinham um carro de som tocando muito alto, todo esse tipo de música. Tem muitas festas de aparelhagem, de tecnobrega, que é tipo o baile funk no Rio de Janeiro. Pra quem é daqui, é fácil entender o que eu tô falando, mas pra quem não é, fica ‘O que será uma festa de aparelhagem? O que será que rola nas periferias de Belém?’. É no meio disso que essa essa vontade de fazer um um disco mais popular surge também, dessa minha origem.

Papelpop:  Ainda sobre essa questão, o que define a musicalidade do pop amazônico para você? Qual é a importância de trazer essa sonoridade hoje?

Acredito que o pop da Amazônia tem algumas características sonoras e visuais bem originais. Quando se fala, por exemplo, em visual desse pop amazônico se fala em muita cor e muita autenticidade, originalidade. Esses elementos dialogam muito com essa estética amazônida, das aparelhagens ou então dessa coisa colorida, vibrante, tropical. E, assim, eu viso trabalhar com uma equipe visual praticamente toda amazônida, do Pará, do Amazonas, da região Norte. E acho que isso tem uma pegada que se reflete nas fotos, na capa do disco e em toda essa campanha de lançamento. Quando se fala em som e música, o que marca esse pop da Amazônia é a vontade de fazer o povo suar e dançar. O som se conecta com essa onda da breia, do calor, que a gente fala ‘ah, a gente tá breado!’ aqui em Belém. E a música do Pará faz muitas pessoas dançarem, se movimentarem. Tem um deboche, uma certa ironia nas letras, é engraçada também. Então, o pop abarca todas essas vertentes e conecta toda essa onda de dançar sempre. A música do Pará é muito dançante, muito vibrante, e o pop da Amazônia tem esse quê conectado com a América Central. Temos muita conexão com o Caribe, República Dominicana, Suriname… a nossa música também vem dessa conexão entre América do Sul e América Central, que é bem diferente do restante do Brasil.

Papelpop: Acho que a gente precisava de coisas mais alegres e vibrantes nesse momento. Na onda de dançar, de extravasar, porque vivemos um período muito obscuro…

Esse momento denso. Exato! Senti que que a gente estava precisando dar uma alegrada, já estava tudo muito pesado. Então, acho que o disco é um respiro nesse lugar também.

Papelpop: “Sentimental” chega cinco anos depois de “Em Cada Verso um Contra-Ataque”. Nesse período, quais foram os processos definitivos que te levaram a criar as músicas do novo álbum? Existe alguma relação com o trecho do primeiro interlúdio, “às vezes é no tombo que a gente renasce”?

Eu digo que é um disco autobiográfico, mas também não é. Tem coisas ali que eu não vivi, mas que vi acontecerem perto de mim, pessoas próximas ou até um um caso de jornal que assisti. O que me inspirou nessa transição de um disco pro outro foi muito dessa vontade, em primeiro lugar, de me conectar mais com as pessoas. Porque esse meu segundo disco, ‘Em Cada Verso um Contra-Ataque’, tinha uma pegada bem artivista, com poesias bem políticas que falavam sobre questão de gênero, feminismo, e que tem tudo a ver comigo também. Tinha ritmos como o brega, lambada, tem uma música que eu fiz com a Dona Onete chamada ‘Lesbigay’, uma lambada eletrônica muito legal. Acho que foi a música mais popular do disco. Com ela, percebi que as pessoas gostavam que eu cantasse coisas que cutucasse algum lugar, mas que fossem dançantes, que fossem alegres, que tivessem uma certa ironia. Então, as músicas que mais vingaram desse último trabalho são nesse sentido. E pensei: ‘Já que as pessoas gostam de amor, de romance e fuleragem, e também de crítica em algum lugar, acho que vou me encaminhar pra um disco bem mais popular’. Comecei a pensar nisso e quando veio a pandemia, a gente tinha acabado de fazer uma turnê no Nordeste muito legal, uma turnê intermediária que chamava “Treme Terra”, que dividiu a turnê do disco anterior com a turnê de ‘Sentimental’. No meio dessa tour, eu comecei a entender e a experimentar outros ritmos, outras outras referências sonoras e fazer algo mais pop no sentido do pop brasileiro. Flertar ali com brega, com sertanejo, com tecnobrega, e entender qual era o meu lugar no meio de tudo isso. Entendi que quando eu lancei esse disco novo, as pessoas não se assustaram tanto com essa mudança, porque meu primeiro disco lá atrás em 2012, chamado ‘Trelêlê’, já é muito paraense, é muito romântico. Tem uma conexão que liga eles todos, seja pelos ritmos, pelos sons ou pela poesia do primeiro com esse último. Eu acho que foi uma pesquisa. Quando veio a pandemia, eu comecei a adentrar nessa possibilidade de me jogar em outra obra. Eu penso cada disco como uma fase diferente da carreira de um artista. É meio chato pensar todos os dias que eu tenho que falar a mesma coisa, que eu tenho que fazer a mesma coisa. Para mim, o legal é poder passear, experimentar várias coisas diferentes. Acho que essa vontade de fazer uma coisa diferente a cada disco me move muito.

 

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Papelpop: Sentimental é um termo que se relaciona com pessoas que se comovem facilmente, são sensíveis, emotivas. No meio desse caos que a gente vive, como é para você mostrar sua vulnerabilidade através da música? No meio dessa dureza, precisamos ser mais sentimentais, amar mais?

Tem o duplo sentido nessa palavra, às vezes até pejorativa, tipo: ‘Ah, essa pessoa é muito sentimental, muito melosa, muito besta’. Eu achei interessante porque tem o outro lado, que a gente precisa assumir que somos sentimentais ou que a gente precisa ser mais sentimental pra poder ser mais empático, para poder se jogar mais, ser menos preso, menos duro. Se tiver que errar, a gente erra, mas a gente renasce! ‘É no tombo que a gente renasce’ [risos]. É assumir que a gente é contraditório, a gente é sentimental, às vezes os nossos sentimentos são paradoxais, mas a gente é isso mesmo, não somos lineares, uma coisa só. Essa palavra resume bem o que é o disco, que passeia por várias camadas dessas sensações, parece uma novela. Passei por várias situações de uma mesma relação ou de relações diferentes.

Papelpop: No segundo interlúdio do disco, em que você troca áudios com a Keila, vocês falam sobre a fuleragem do amor romântico. Você já fez um grande ato considerado drama ou cafona por amor?

Eu acho que já fiz vários, tipo escrever o nome na areia ou, no meio de uma festa, pegar um microfone e mandar um recado pra pessoa que você está apaixonada [risos]. Quando estamos envolvidos nesse início do amor, nessa paixão toda, a gente tende a ser cafona, mas essa cafonice que a gente brinca faz parte do amor. ‘Senão não é amor’, a gente conversa no WhatsApp, eu e a Keila. Nisso, decidimos brincar com essa palavra ‘cringe‘, que é um termo em inglês. A gente deixou bem abrasileirado em ‘Cringe Love’. Cantamos desse jeito para entrar nessa onda de que as pessoas têm vergonha ou passam por alguma coisa vergonhosa [na relação]. As pessoas tem certa vergonha do amor nesse lugar brega, cafona, mas a gente assume isso como se fosse positivo mesmo assim. Na letra, falamos dessa coisa de ter perfil de casal no Instagram, da camisa com a foto do casal, de mandar mensagem no carro de som [risos]. Falamos de algumas ações meio cringes, mas que fazem parte desse amor.

Papelpop: Pelo fato de ser uma artista queer, você fala que ainda existem portas que não se abrem ou são fechadas. Nesse sentido, quais portas e compreensões você gostaria que o disco abrisse?

O que eu percebo fazendo uma pesquisa rápida no Brasil é que as artistas pop, sejam do mainstream ou da cena mais alternativa, quase todas são mulheres heterossexuais. Quando a gente vê uma artista mulher se posicionando como lésbica ou uma mulher LGBTQIA+, geralmente somos colocadas no nicho de que fazemos música LGBTQIA+. Tanto que nas playlists das plataformas, a gente é colocada sempre nesse lugar, ‘Paredão LGBT’, coisas de gênero… nunca entramos nessa massa, onde as pessoas ouvem mesmo de tudo. E geralmente as artistas que conseguiram chegar até lá omitiram qual era sua orientação sexual. Quando as pessoas não se assumem é porque elas já estão neste lugar com medo, eu acho, de serem muito setorizadas, colocadas num nicho específico. A música que eu faço nesse disco, especialmente, pode ser tocada para qualquer tipo de público. É feita para pessoas homossexuais, heterossexuais, bissexuais, acho que não interfere em nada nesse eu lírico, nesse ouvinte. Mas ainda assim, quando a gente fala ‘Eu sou uma mulher lésbica’, parece que o disco não é feito pra todo mundo. Eu tenho muita vontade de que as pessoas ouçam o disco e entendam que independente do meu gênero ou da minha orientação sexual, é um disco popular feito no Brasil por uma cantora do Pará. Com certeza quem ouve esse disco e não sabe de nada, jamais vai entrar nesse lugar de julgamento, o que eu acho muito legal, porque realmente é um disco pop e que flerta com esses ritmos que nascem nas periferias do Norte, do Nordeste, do Brasil como um todo. A intenção de fazer um disco nesse caminho, que não fala exatamente ‘eu sou lésbica’ numa música, por exemplo, é justamente pra tentar expandir esse público e as pessoas ouvirem a música independente de preconceito. Acho que o disco cai muito nesse lugar, de querer que todo mundo ouça.

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Ouça “Sentimental” no streaming:

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