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(foto: Bruna Brandão/Divulgação)
(foto: Bruna Brandão/Divulgação)
música

Ex-Rosa Neon, Mariana Cavanellas, estreia carreira solo com o projeto de EPs “Tudo Vibra”: “Minha arte é pra educar e não anestesiar.”

Ex-Rosa Neon, Mariana Cavanellas, está de volta e com sua própria linguagem em carreira solo. Intitulados Noite e Dia, os EPs são guiados pela experiência da artista com a maternidade e propõem reflexões políticas. “Minha arte é pra educar e não anestesiar.”, afirma Mariana. Com o nascimento da filha no começo do ano, Mariana diz ter passado por um processo de contato intenso com si mesma em que percebeu a realidade do tempo, fato que a disponibilizou a compreender ainda mais o valor deste. 

 Com 11 faixas que não seguem um recorte de gênero musical específico – uma vez que misturam sinestesicamente o eletrônico com o orgânico –, o projeto foi desenvolvido num ambiente íntimo e imersivo, onde o objetivo era claro: fazer arte e poesia. Sem pressão alheia, mas sem romantização da realidade do artista independente, Mariana não hesita em compartilhar suas experiências pessoais nas músicas, mas afirma: “Eu entro num espaço em que eu retrato muito as minorias.” 

 

Feminismo, política, carreira solo e criatividade são algumas das pautas abordadas na nossa conversa com a mineira. Confira a entrevista na íntegra: 

 

PAPEL POP: Conta pra gente um pouco sobre o Projeto Vibra…

MARIANA: O Tudo Vibra é uma abertura da minha carreira solo mesmo, com ele eu trago não só a parte musical mas também a parte ideológica de pra onde eu quero ir: a da educação e não da anestesia. A gente tá vivendo um processo na música brasileira que eu acho que está entorpecida e tá vindo uma juventude aí… As coisas estão cada vez mais confusas, então esse EP vem com esse desejo de querer conversar com esses jovens, essas pessoas sobre decisões importantes, sobre o Brasil, política… É um momento de auto-reflexão. Eu resolvi lançar Noite/Dia pra trazer as atmosferas das canções. Nós vivemos o dia e a noite. Achei que seria muito legal criar um som que tem a ver com rituais pras pessoas. O ritual de dormir, de acordar.

 

É um processo sinestésico, né? 

Exatamente!

 

E como foi o processo de criação das faixas? 

Então, eu tava no meu puerpério que é o momento que a mulher ganha o seu bebê – e eu vejo que essa palavra nem tem muito na internet! Acho isso muito louco! É um processo tempestivo, de você se reconectar com o que você vai ser depois de ter filho. É um assunto importante demais que eu não vejo acessível! Mas foi durante esse processo de puerpério que eu senti que eu precisava compor, eu precisava cantar! Era impossível eu ir pra um estúdio porque eu amamento em demanda livre, então eu vim pra casa da minha avó em Igarapé, uma casa que ela demorou 22 anos pra construir, e ela disse “Filha, pode ir pra lá”. Aí eu juntei o meu produtor e a gente montou um home studio no quarto dela! Ficamos lá por uma semana, imersos, cozinhando, ele me ajudando com a minha filha, entendendo todo o processo que eu estava vivendo… E aí nasceram 11 faixas em 7 dias, mas dentro de um tempo normal! A gente não estava fritando loucamente pra ter 11 faixas, sabe? A gente nem sabia o número de faixas que viriam. Então foi uma imersão muito profunda! E a casa fica perto da serra mas também de uma região de minério, então tem muita natureza ao nosso redor, mas também tem o homem trabalhando e modificando essa natureza que grita socorro. Tínhamos duas realidades muito distintas na nossa frente… Trabalhar sobre isso nas músicas era inevitável.

 

Acho que então o que você pensou pro projeto no início do processo de desenvolvimento não se alterou no produto final, né?

Não! Foi tudo gravado de primeira! Inclusive os takes da minha voz foram todos de primeira! Todas as músicas tem umas três camadas de voz que eu abro, e o álbum tem isso de ser vazio para dar espaço pra minha voz entrar mesmo. Eu não queria nenhum beat, nós trabalhamos em cima de atmosferas! É sobre estender o tapete pra mensagem passar…

 

E muita coisa aconteceu pra um ano pandêmico né? Teve Rosa Neon sendo indicado ao Prêmio Multishow, seu debut solo… Como você recebe essas notícias e como tem lidado com os próximos passos?

O Rosa foi um período da minha vida, né… Foi uma escola, mas que nunca teve a ver com o que eu sempre quis dizer artisticamente. Muita gente relaciona a minha saída com a gravidez, mas não tem muita relação não. Tanto que eu continuo trabalhando! Tem muito mais a ver com o meu propósito, com o meu trabalho. Era tudo muito divergente, sabe? Então depois da maternidade eu percebi que a vida passa mais rápido do que eu imaginava e nós realmente temos que ir atrás dos nossos sonhos. A maternidade abriu o meu olhar para o tempo da vida. E é tudo mais difícil agora, porque ser um artista independente não é nada romântico…

 

O que muda da Mariana em um grupo musical para a Mariana em carreira solo?

Continuo trabalhando em coletivo, isso nunca vai deixar de existir. O que eu faço agora é que eu sou não só cantora mas também diretora da minha própria obra, eu tenho o meu próprio tempo pra criar e eu acho isso fundamental pra uma obra de arte: você estar ali presente 100%. E eu comecei a cantar quando criança como forma de me entender no mundo e eu não posso perder isso com a música, sabe?

 

Nenhum clipe do projeto até agora, mas o cenário estético das músicas meio que se formam por si só. Você se contextualizou, imaginou em algum espaço específico na hora de fazer os EPs? Os seus trabalhos sempre tem senso estético muito bem desenvolvido… Teve alguma referência para esse novo projeto?

A minha composição é um misto de tudo! Quando eu componho, consigo estar em vários espaços ao mesmo tempo. Eu entro num espaço em que eu retrato muito as minorias na questão de voz – mas que são a grande maioria se pararmos pra pensar. Inclusive, me localizo com o povo indígena, que é o nosso povo, é da onde a gente vem. Então quando eu vou compor, eu penso muito em tudo isso, que o Brasil ainda é uma colônia, ainda tem muito a ser reparado aqui. Muito a ser construído. Então me vem essas imagens… Abuso de poder é algo que eu vou abordar no meu audiovisual. Não são coisas leves que eu pretendo abordar, sabe? Mas faço questão de abordá-las com todo o cuidado do mundo, no sentido de educar mesmo. Eu sinto que hoje em dia, com a internet na pandemia, as pessoas ficam muito presas em suas próprias realidades, tem um medo no coletivo, os artistas de hoje em dia estão situados num contexto de lacração que os colocam numa posição de inalcançáveis, e eu não acho isso um processo interessante quando falamos de sociedade, sabe? Precisamos reatar esse povo fragmentado. Precisamos de respeito, empatia. Novamente, minha arte é pra educar e não anestesiar. 

 

Minha última pergunta é o que a carreira solo significa pra você como artista, mãe e mulher? 

Eu ando pensando bastante sobre como a causa do feminismo é abordada e o quanto ela é importante, mas que ainda é muito fetal. Ainda não vivemos tudo. Por exemplo, aqui em BH, musicalmente, não temos uma mulher que foi pro país todo, pro giro nacional. Temos Skank, Jota Quest, Clube da Esquina, Lagum, Djonga… Mas o que borbulha aqui de mulheres é uma coisa que me move muito! Tipo, cara, por que só os homens estão indo e as mulheres não? Então quando eu assumi a minha arte, quando resolvi fazer esse disco e colocar quem eu sou de verdade, é porque eu realmente quero falar do campo feminino, do tanto que a gente sofre no mercado, entre outras coisas. Eu acho que isso já é uma obra de arte, tipo, eu quero conversar com esse mercado, eu quero entendê-lo, porque eu não acho que tá justo. Estava até lendo ontem sobre como as plataformas de streaming podem ser consideradas como cadeias, como elas forçam os artistas a produzir pra estarem sempre nos topos das playlists e tal… Então isso também é algo que me move a cantar! É muito simples: eu canto e continuo fazendo arte porque eu vejo várias rachaduras no mundo, e agora essas rachaduras estão muito presentes no campo da própria arte. Estão censurando a própria forma dos artistas se expressarem! Para obedecer esses padrões, você tem que ter um gênero muito bem recortado – tem que ter tudo muito bem recortado e eu acho isso tudo muito problemático. É a arte que não está sendo a poesia. Isso tem acontecido demais e eu sinto que com a pandemia isso tudo é ainda maior, porque a gente não tem como fazer show, reunir o público, falar com as pessoas frente a frente, então fica difícil… Mas eu sigo aqui! Tô compondo, me preparando no tempo do tempo.

 

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Ouça “Tudo Vibra” :

EP Noite nas plataformas:

Spotify | Deezer | Apple Music

EP Dia nas plataformas:

Spotify | Deezer | Apple Music

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