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Cantor já havia sido indicado à honraria outras duas vezes (Divulgação)
Álbum que lhe rendeu o troféu traz críticas ao racismo e às políticas de imigração (Divulgação)
música

Michael Kiwanuka vence o Mercury Prize, prêmio máximo da música britânica

É claro que sendo fã da série “Big Little Lies”, produção original da HBO, você já deve ter cantarolado em algum momento o hit “Cold Little Heart”. A faixa, interpretada por Michael Kiwanuka, é tema de abertura do drama protagonizado por Nicole Kidman, Reese Witherspoon e Shailene Woodley.

Mas não se engane. A obra do artista não deve ser enxergada por uma ótica tão reducionista, à la “gênio de um hit só”. Essa colocação ganha ainda mais peso quando se leva em conta que nesta quinta-feira (24) Kiwanuka foi anunciado como vencedor do prêmio Mercury Prize, que elege o melhor álbum do ano lançado no Reino Unido e na Irlanda.

Nas lojas desde novembro de 2019, o projeto figurou por semanas na lista dos mais vendidos, dominando os charts ao lado de nomes como Dua Lipa e Stormzy, gigantes do streaming. Com a conquista de hoje, para além do troféu, o cantor recebe também a quantia de 25 mil libras esterlinas, montante que equivale a aproximadamente R$ 175 mil.

“Eu já estava meio que resignado com o fato de que se não vencesse [o Mercury Prize] este ano, não o venceria nunca, provavelmente”, disse em entrevista à rádio BBC 6. O fato é que, proporcionalmente à humildade, Kiwanuka também demonstra um talento descomunal para a música.

Filho de um casal de exilados políticos vindos de Uganda, na África, o cantor cresceu no bairro Muswell Hill, ao norte de Londres. Com notas excelentes no colégio, conseguiu uma vaga na Escola de Mídia, Artes e Design da Universidade de Westminster.

Depois, saltou rumo à Academia Royal de Música, mas desistiu do curso na metade a fim de trilhar carreira solo. Com uma bagagem, decidiu que não queria tocar nada parecido com o que se ouvia em meados dos anos 2000, quando a ostentação tomava conta dos mais variados gêneros musicais. Sozinho, o artista decidiu investir em composições cheias de dor e sentimentalismo.

Deu certo. O viés melancólico e sensível de alguns dos singles de “Love & Hate” (2016) e “Home Again” (2012), seus primeiros álbuns, fizeram com que o músico recebesse elogios e fosse comparado a nomes como Otis Redding, Van Morrison e The Temptations – todos nomes consagrados de gerações que não eram próximas à sua.

Na contramão não apenas da linha de trabalho alheia, mas também da falta de representatividade, chegou a dizer à NPR que se sentia meio deslocado ainda na adolescência. “Com 12, 13 anos, as pessoas presumiam que eu gostava de R&B. Quando era mais novo, sentia falta de alguém como Jimi Hendrix, porque era um jovem negro tocando rock”.

Essa “sofrência” britânica foi dando lugar a um som mais vibrante, que desemboca em “KIWANUKA”, disco que o levou ao mais alto posto da música britânica – um lugar que, diga-se de passagem, ainda possui predominância de artistas brancos.

Neste trabalho, mergulha em questões autobiográficas a fim de trazê-las à tona com um embalo sonoro altamente sofisticado – o que é necessário, pois caso contrário correria o risco de destoar da densidade lírica empregada no projeto. Em entrevistas recentes, disse que decidiu colocar o próprio sobrenome como título para revidar o racismo que sofria por parte da gravadora.

Ao começar os preparativos para uma carreira solo, ouviu de empresários que a pronúncia de seu nome, híbrida entre os sotaques britânico e africano, era “exótica” demais. A melhor solução, na opinião deles, seria mudá-lo para algo mais acessível. A resposta veio tempos depois em forma de música.

Em “Hero”, por exemplo, ele canta: “Não vou mudar meu nome, não importa o que me chamem”.

Para ser ainda mais claro, em “You Ain’t The Problem”, faixa de abertura, escancara os desdobramentos da questão identitária na própria arte. “Se você não pertence a lugar algum, a culpa não é sua”.

Michael Kiwanuka recebe o prêmio Mercury Prize (Getty Images)

Michael Kiwanuka recebe o prêmio Mercury Prize (Getty Images)

Com produção da dupla Danger Mouse e Inflo, “KIWANUKA” faz um passeio pelo funk e pelo gospel, onde finca raízes para cutucar questões atualíssimas como as terríveis políticas de imigração adotadas na Europa, o preconceito desenfreado contra pessoas negras e a injustiça. Entre um som e outro, há a inserção de áudios de manifestações e disparos de metralhadora.

De fato, seus álbuns são lançados com um cuidado que parecem ter um período gestacional muito maior do que na prática. Merecem ser ouvidos com igual atenção.

Aos poucos, Kiwanuka vai mostrando que pode, sim, ser para as novas gerações o Jimi Hendrix que lhe faltou nos anos de formação. O disco da vez veio como mais uma prova disso.

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