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Glass Animals lança o maduro e imersivo “Dreamland”, terceiro disco da carreira; leia nosso papo!

A banda Glass Animals lançou na última sexta (07) o disco “Dreamland”, o terceiro da carreira. O trabalho tem uma grande potência imersiva, tanto em termos de som, quanto pela estética escolhida, que faz referência à cultura da internet. Entre os motes inspiradores estão alegorias do movimento vaporwave, caracterizado por uma preocupação crítica ou satírica com o consumismo desenfreado do capitalismo.

Antes do lançamento do álbum o grupo já havia disponibilizado nas plataformas cinco faixas inéditas – uma boa prévia do complexo caminho sonoro escolhido. Sintetizadores retrô tomam conta de um universo cheio de camadas de voz, reverberação e batidas inspiradas no hip hop. As letras, por sua vez, refletem as diferenças de nossos sentimentos e percepções sobre o mundo em comparação com a realidade de 20 ou 30 anos atrás.

Tais temas permitiram uma abordagem nova sobre composição – e exposição – para os membros da banda, formada pelos amigos de infância Dave Bayley, Joe Seaward, Ed Irwin-Singer e Drew MacFarlane. Nos dois trabalhos anteriores, o grupo tendia a escrever sobre narrativas externas ou ficcionais. Desta vez, tudo foi diferente: a infância de Dave foi o ponto de partida inoperacional, assim como um sério acidente sofrido pelo baterista Joe em 2018. À ocasião o músico foi atingido por um caminhão enquanto andava de bicicleta por Dublin, na Irlanda.

Com um traumatismo craniano e uma consequente cirurgia muito arriscada, Joe Seaward ficou semanas sem poder andar ou falar. Perdeu a memória recente. Hoje, recuperado, usa esse momento de busca por si mesmo como inspiração para abrir os trabalhos do novo disco.

Imerso nessa jornada, o Papelpop bateu um papo com o líder da banda, Dave, por chamada de vídeo. Falamos sobre as inspirações da infância, a importância das novas composições e da estética escolhida.

PAPELPOP – Começando pela capa, fiquei muito intrigado pelo fato de ela ter o número 1998 escrito como um detalhe. Conta pra gente o porquê?

DAVE BAYLEY – Porque é o ano do qual tenho minhas primeiras lembranças. Minha mãe costumava me gravar em vídeo quando eu era criança. E dá pra ouvir a voz dela numas faixas…

Ela é a voz presente nas interludes?

Sim! Aquela voz é da minha mãe e usei o áudio da fita lá de 1998. 

Este é o terceiro álbum de Glass Animals e dá pra sentir que as histórias são mais pessoais desta vez. Além das narrativas contadas no disco, quais as maiores diferenças de ter feito esse trabalho, em comparação aos anteriores?

Sim, é bem pessoal dessa vez. Ele é mais focado nas letras. Tudo é bem lírico. Como é um tanto pessoal, queria conseguir fazer as letras serem perfeitas. Nesse álbum, as letras vieram primeiro em muitas vezes. Sendo que antes era, por muitas vezes, a batida, a melodia, os acordes… e a gente colocava uma letra por cima já com a base toda feita. Então foi um pouco pelo contrário. O primeiro disco foi todo baseado na música, o segundo foi meio a meio entre música ou letras primeiro. E este novo foi muito baseado em mim tentando achar os sons que ouvia quando estava crescendo, como a coleção de discos da minha mãe, com Beatles, Beach Boys, Nina Simone… e depois me mudei para o Texas, ouvindo rádios de hip hop, então ouvia muito Dr Dre, Missy Elliot, Snoopy Dogg e produções do Timbalando. Então foi tentar gravar as coisas no estilo do Beach Boys e Beatles como se o Timbaland tivesse produzido, pra samplear e ir pesado neles. E o contrário também. É quase como uma filosofia, enquanto nos trabalhos anteriores era bem mais aberto. Era só ir zoando. 

Então você sabia exatamente como queria que as músicas soassem?

Sim, eu tinha isso na minha cabeça. E tinha muita coisa pra experimentar, porque não sabia se iria dar certo. Tenho esses sintetizadores velhos por aqui, mas eu não sabia gravá-los com a técnica pra fazer os sons soarem como samples de hip hop, então tive de aprender. Tinha os sons na minha cabeça, mas tomou muito tempo pra aprender como fazer! Hahaha

Nisso de fazer um disco sozinho, tem algo que você acha mais complicado ou chato de fazer?

Às vezes, é difícil ter perspectiva sobre as coisas. Se você olha pra sua cara no espelho, você provavelmente sabe de todos os detalhes e vai ver se tiver uma nova pinta, ou um pelo… tipo, se eu olho no espelho, vou saber se eu tiver uma nova ruga. Mas ninguém percebe isso! É só porque você se conhece tão bem e já se viu tantas vezes que acaba preso nos detalhes. É essa a parte mais complicada. Ficar preso tentando arrumar pequenos detalhes e acabar perdendo a visão geral. Às vezes você passa seis horas tentando fazer um bumbo da bateria soar perfeito e isso… é uma grande perda de tempo! Hahaha ao invés de realmente focar na feitura da canção, nos acordes, na estrutura. Se você tiver essa base bem sólida, os detalhes quase não importam.

Essa técnica de não ficar preso nos detalhes sempre esteve contigo, ou foi evoluindo desde o primeiro disco?

No primeiro álbum, gastei muito tempo nos detalhes. Eu não tinha ideia do que eu estava fazendo, então passei horas e horas minuciosamente ajustando cada efeito. E até certo ponto ainda faço isso, mas mais pro final do processo. Sempre me proíbo de fazer isso até chegar o fim. 

E como é sua relação com o resultado dessas produções mais antigas?

Eu não mudaria nada. Quando as ouço, sei que seria diferente se eu as fizesse hoje. Mas não mudaria nada, porque gosto da ideia de que uma ideia, uma música, álbum ou composição é como uma fotografia de um tempo. Um álbum é como um jornal de quem você é naquele período de tempo, ele tira uma foto das suas habilidades naquele momento. Não tem motivo de ficar mudando. Tomar decisões é difícil. E é por isso que é comum essas relações incríveis entre artistas e produtores, porque o produtor pode vir com várias e várias ideias, enquanto o artista vai dizendo sim ou não. Às vezes você precisa de ajuda pra decidir. Quando você trabalha com outro artista, essa pessoa toma as decisões. Você faz a visão dessa pessoa acontecer tão bem quanto pode. Não tem espaço para seu próprio ego enquanto trabalha com outra pessoa.

Muito tem se falado sobre como o trabalho do artista é registrar um momento, né? Nos dois outros álbuns da banda, vocês frequentemente falavam sobre narrativas de outras pessoas. Vocês sentem que assim é mais fácil ou mais difícil capturar o zeitgeist?

Hm… não sei. Nunca tentei “capturar o zeitgeist”, é só fazer coisas que você gosta. Quando você está fazendo música e é só você, dá pra fazer só o que gosta. Com outra pessoa, suas opiniões nem sempre se alinham completamente, aí é necessário fazer alguns sacrifícios pela colaboração. Nunca penso muito no que as pessoas vão gostar. Isso seria um pouco… estranho. É só fazer algo que você acha ser legal e, com sorte, outras pessoas vão gostar. 

Os visuais dessa era são lindos demais! Como vocês sentiram que essa estética meio vaporwave era a direção certa para o som do disco?

Eu queria fazer algo como colagem de coisas de verdade. Pegar coisas da minha infância, porque ainda tenho vários bichos de pelúcia, as fitas escrito “1998” nelas e eu queria criar algo, talvez tirar fotos. Mas aí percebi que dá pra fazer muito mais escaneando elas em 3D nesse programa chamado Cinema 4D, incluindo sua própria cara. Fazer uma versão digital das coisas e brincar com o tamanho e escala. Às vezes, alguém como sua mãe te diz algo simples que faz um efeito gigante na sua vida. E nesse programa você pode pegar algo pequeno e fazer ser gigante, mexer com a importância das coisas. Gosto disso. É quase como o efeito borboleta, de que alguma coisa pequena pode ter um resultado grande. A gente pode brincar com isso e fazer animações, permitindo fazer um monte de conteúdo em vídeo pras nossas telas [dos shows] e para clipes. Foi uma solução bem versátil, tipo “a gente tem que fazer isso com o 3D”.

E como tem sido o processo de criar esses visuais?

Geralmente começa como um desenho assim [mostrando um esboço à mão, como na foto abaixo]. Não vou mostrar muito, porque é para o próximo vídeo. Eu envio para um amigo que me diz se é possível transformar em algo, aí pegamos os moldes digitais de objetos num site. Mas para a caixa de sucrilhos, por exemplo, a gente vai precisar fazer o molde 3D no programa Cinema 4D e no MeshLab. Tenho um amigo que me ajuda, porque não consigo fazer tudo sozinho. É confuso! E aí a gente começa a preencher o espaço dentro desse programa a partir do desenho que fiz. 

Vem ouvir o disco “Dreamland”, do Glass Animals, com a gente!

 

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