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Em quanto tempo você pula uma música que não gostou?

Ser músico é muito mais difícil do que ser um vendedor. Na última semana eu gastei alguns minutos em uma livraria, no horário do almoço, sem algum motivo particular. Eu achei bizarro encontrar tantos livros que tentavam explicar o panorama atual da política brasileira e de Youtubers. Era o que mais tinha por lá, mas o que chamou a minha atenção foi uma capa que continha os dizeres: COMO CONVENCER ALGUÉM EM 90 SEGUNDOS.

Apesar de não ter levado para casa, eu fiquei lendo um pouco do livro sob o olhar de algum vendedor. O principal objetivo do título é mostrar como você pode se apresentar e aprimorar habilidades de persuasão e desenvolver mais empatia para quem está ao seu redor.

90 segundos parece pouca coisa, mas nestes tempos que vivemos pode ser uma eternidade. Como somos impactados por tudo ao mesmo tempo, ficar 90 segundos com foco em alguma coisa é um trabalho árduo. Uma verdadeira eternidade.

De acordo com um estudo conduzido pela Microsoft e divulgado pela revista Time, as pessoas perdem a concentração após somente oito segundos, em média – menos tempo que os nove segundos que um peixinho-dourado precisa para se distrair. Instagram, WhatsApp, e-mail, Facebook, Twitter e, quando você foi ver, já perdeu.

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Este procedimento pode ser traduzido para diversos setores. Um vendedor de calçados, alguma integrante do Green Peace, o caixa do mercado que sempre oferece um cartão com juros baixos ou quem está distribuindo panfletos de um novo restaurante. Porém esta ciência não consegue ser aplicada na música e eu explico o porquê.

Imagina você esperar UM MINUTO E TRINTA SEGUNDOS para mudar alguma música que não bateu com os seus ouvidos. ‘Ah, esta banda parece ser muito promissora, deixa eu esperar o refrão ou um solo para decidir’.

Tem uma porção de fatores envolvidos para você (NÃO) continuar ouvindo alguma música. Por exemplo, você pode ter um bom histórico com canções que tenham guitarra ou não suportar um batidão de funk. Se o autor do livro quisesse fazer sucesso com música, o livro deveria se chamar: COMO CONVENCER ALGUÉM EM MENOS DE CINCO SEGUNDOS. Em 2015, a bíblia Music Machinery divulgou dados curiosos de usuários do Spotify:

24.14% pulam nos primeiros 5 segundos
28.97% pulam nos primeiros 10 segundos
35.05% pulam nos primeiros 30 segundos
48.6% pulam antes que a música acabe!
A média do ouvinte é de pular 14.65 vezes por hora
Quem ouve pelo celular, pula mais. 51.1% contra 40.1% quem utiliza desktop

Esta informação é pavorosa, pois imagine o roteiro. Montar uma banda, achar tempo para ensaiar, compor músicas, juntar dindim para gravar, planejar o lançamento, fazer uma grande correria para fechar shows e torcer para que, quando alguém for ouvir, não pular a sua música nos primeiros segundos.

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Nas últimas temporadas, cada vez mais que vimos o sucesso de um disco ou uma série, a culpa é colocada nele, o algoritmo. Antes, ter informações precisas sobre um lançamento seria pegar o quanto vendeu nas lojas e a média de execuções em rádios pelo mundo afora. Com isso, era possível traçar se um disco tinha sido um estouro ou um flop.

Qualquer plataforma de streaming conta com uma riqueza de dados de uso dos seus assinantes. Cada play representa uma preferência e, graças aos dados catalogados, é possível desenhar interesses bastante específicos de quem está de fone.

Desta maneira, fica um pouco mais fácil perceber tendências e produzir algo que seja na linha. Por um lado, quem está preocupado em não ter a sua música gongada nos primeiros segundos pode aproveitar. Do outro, o artista deixaria de lado valores reais para desenvolver uma música implacável com uma base rica de dados estratégicos que o faria tomar decisões mais inteligentes. Por exemplo, não comece uma música com uma sanfona, a média de pulo da faixa foi brutal.

Levar um título destes “Como convencer alguém em 90 segundos” para o lado musical, faz a gente parar um pouco e pensar: Nossa, o algoritmo está mandando em tudo, a música de verdade pode acabar. Música é um negócio, sempre foi. Espero que a parte de big data não sobressaia e mate os últimos românticos.

O jornalista paulistano, produtor musical e marketeiro Brunno Constante analisa, pondera, escreve e traz novidades sobre música no Papelpop todas as terças-feiras.

Fita Cassete é o alterego de Brunno quando ele fala sobre o assunto.

Quer falar com ele? Twitter: @brunno.


* A opinião do colunista Brunno Constante não necessariamente representa a opinião do Papelpop. No entanto, por aqui, todas as opiniões são bem-vindas. :)

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