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Todo Carnaval Tem Seu Fim

Ao decorrer dos anos, o carnaval do sambódromo foi perdendo o valor para mim. Hoje eu prefiro tirar uma soneca do que passar horas a fio na frente da TV acompanhando alguma escola desfilar por mais de uma hora. Este é o momento que muitas pessoas pensam dia e noite durante uma temporada, mas não consigo ter a mesma empolgação de outrora. Eu quero deixar bem claro que não existe comparação de ir num barracão e sentir a bateria ou o pessoal da comunidade cantar o samba enredo à pleno pulmões. É outra parada.

Eu tenho meio bode quando vejo que alguma marca, personalidade ou clube será representado por alguma escola, pois vai ganhar algum dimdim a mais para desenvolver o tema na avenida. Vou citar um exemplo que ficou muito na minha cabeça. Há quase dez anos, a tradicional Mangueira foi criticada por não ter ‘lembrado’ os 100 anos de um de seus fundadores, o cantor e compositor Cartola.

Cartola-Carnaval-de-rua-Banda-de-Ipanema (1)

Naquele ano, a agremiação verde e rosa amargou o décimo lugar com um enredo em homenagem ao frevo – onde receberam mais de 2 milhões de reais para falar sobre o ritmo que tem aquela dança com um guarda-chuvinha. Deixar de falar do maestro que ajudou a construir a escola por uma grana a mais é muito triste, desvirtua o processo inteiro.

Num passado não muito distante, as escolas bancavam seus desfiles com o financiamento, digamos, lado B. Uma boa parte da receita vinha de banqueiros do jogo do bicho, e de comerciantes das respectivas comunidades, mas, à medida que a festa foi tomando forma, se tornou mais cara e praticamente impossível de ser bancada apenas com os recursos convencionais.

O papel de denúncia e crítica foi saindo de cena aos poucos, característica importante e crucial dos sambas até os anos 90. Esta função acabou recaindo nas mãos e ritmos dos blocos de rua, que não tem tantas amarras que os desfiles do Sambódromo. Quem vai falar mal do governo ou dizer se ainda estamos num estado democrático ou não e arriscar a festa do ano seguinte?

Para quem já visitou algum barracão, sabe que tudo é feito muito na raça. Quem vive para escola concilia o trampo, estudo e família em dedicação a agremiação do coração. Quando vem alguma ordem de cima que atravesse os valores de uma comunidade por conta de favores, poder ou maior exposição em uma TV é jogar o trampo desta galera no lixo.

Foto: Evandro Oliveira/PMPA

Outro movimento que me fez perder um pouco a fé do que acontecia no carnaval da avenida é de algumas agremiações venderem espaços em carros, tirando o espaço de quem participou de todos os processos como: escolha do samba-enredo, bater carteirinha nos ensaios, estar com a letra na ponta da língua e ter uma grande identificação. Hoje vemos sub-celebridades, ex-BBBs, atrizes e dondocas de zonas tradicionais das capitais em destaque.

Para mim, a tendência é do carnaval de avenida ficar menor e ganhar mais identidade, como antigamente. Ao invés de ter os patrocinadores, a liga vai lembrar das pessoas que fazem o carnaval pulsar e não morrer pelo caminho. A plasticidade das escolas é algo chato e decepcionante. Parece tudo ser feito para ficar bem na TV e você só percebe a diferença de alguma escola para outra por conta do primeiro carro que leva o nome bem na frente.

O carnaval é mais do que a Globeleza, escola que ganhou mais incentivos para fazer uma festa tridimensional na avenida ou ter briga na contagem de pontos por algum décimo. Enquanto o carnaval atravessar esta fase, ficará difícil acompanhar :(

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O jornalista paulistano, produtor musical e marketeiro Brunno Constante analisa, pondera, escreve e traz novidades sobre música no Papelpop todas as terças-feiras.

Fita Cassete é o alterego de Brunno quando ele fala sobre o assunto.

Quer falar com ele? Twitter: @brunno.


* A opinião do colunista Brunno Constante não necessariamente representa a opinião do Papelpop. No entanto, por aqui, todas as opiniões são bem-vindas. :)

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