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música

Curta do produtor Diogo Strausz mescla música a imagens de metrópoles vazias na pandemia

A crise provocada pelo avanço do novo coronavírus fez o mundo parar. Cidades gigantescas, onde há vida fluindo a todo momento, viram-se completamente vazias com as medidas de segurança adotadas pelas autoridades. Do outro lado, cercadas pelas paredes de uma casa ou de um apartamento, mentes curiosas se viram restritas apenas à observação da mudança.

O produtor musical Diogo Strausz, responsável entre outros trabalhos por “Mal dos Trópicos”, de Thiago Pethit, e “Sem V.O.C.E.”, de Jaloo, quis registrar esse momento. De Paris, onde vive, criou composições que desembocaram no projeto “Pausa”. Dono de uma sensibilidade única, o curta-metragem foi concebido em parceria com o fotógrafo londrino Jacob Perlmutter, um amigo de longa data. A proposta é simples: convidar você a dar um passeio sensível, mas não menos angustiante, por cidades como Tel Aviv, Paris, Londres, São Paulo e Nova York.

Enquanto a canção preenche os espaços deixados pela ausência de pessoas que todos os dias caminham apressadas e vivem freneticamente suas vidas, cria-se um momento de contemplação. A captação das imagens foi feita de forma colaborativa, de modo que 38 pessoas, entre cinegrafistas, músicos, diretores, compositores e corretores de cor puderam oferecer uma vista de suas perspectivas da pandemia.

Para Strausz, a música foi a melhor maneira de conectar ao confinamento. Assista.

Para entender um pouco mais a respeito do projeto, bem como sobre as conexões que se traçam entre música, fotografia e sensibilidade, nós conversamos com o responsável. A entrevista, concedida por e-mail, você confere abaixo.

Papelpop: Pra começar gostaria de saber como se firmou a sua parceria com Jacob [Perlmutter]. Como surgiu o convite pra essa colaboração em “Pausa”?

Diogo Strausz: O Jacob é um parceiro de muitos carnavais, literalmente. Nos conhecemos quando alguém com quem trabalhei (e mal conheci) indicou a minha casa para ele cair durante a semana de carnaval do Rio em 2012. Daí conectamos e acabamos desdobrando a amizade em diversas parcerias artísticas como os discos autorais dele ou ele me convidar para fazer a trilha sonora de videos que ele dirigiu. Para o ‘Pausa’ a colaboração veio naturalmente num dos nossos papos pelo telefone para colocar os assuntos em dia!

Agora você mora em Paris, que encara um duro lockdown após ver o número de vítimas da Covid-19 subir vertiginosamente. Como tem sido a sua rotina? O que mudou na sua vida com a chegada da pandemia?

Eu sempre brinco que nós músicos que trabalhamos em estúdio treinamos a vida toda para esse momento, o confinamento voluntário é natural para mim. A diferença é que durante o lockdown em Paris as políticas foram bastante severas. Nós precisávamos apresentar um documento do ministério do interior para sair às ruas enquanto os números de enfermos não paravam de crescer e o sistema de saúde colapsava até recentemente. Mas não me entristeceu tanto quanto a chegada da pandemia no Brasil com tanta violência devido a necropolítica do atual governo. O confinamento horizontal não é radical, ele é necessário e será o novo paradigma por bastante tempo. E ver isso sendo negado ao colocar interesses pseudo-econômicos disfarçados de desprezo pela vida dos pobres é trágico e doloroso.

Em meio ao que acontece você tem usado seu tempo para criar ou tem sido uma fase de mais introspecção, quietude?

Eu ando inquieto. Tem sido um período de criação, estudo e reinvenção perante a tantas promessas de mudanças, apesar de ainda incertas, que estão por vir. Fiz ao mesmo tempo o Pausa e iniciei um projeto para tentar colaborar com artistas e projetos sociais que (por falta de um nome melhor) estou chamando de Covid Mix. Nele troco serviços de mixagem por doações de R$ 200,00 às instituições e associações que combatem o corona nas periferias, usando como referência o #mapacoronanasperiferias que o Instituto Marielle Franco fez em parceria com o Favela em Pauta. Assim os artistas impactados pelo desmonte da cultura do atual governo e a falta de recursos circulando no mercado da música podem ao menos finalizar seus trabalhos. No momento, ideias não faltam com tanta gente criativa confinada.

Acompanho seu trabalho já há algum tempo e existe uma sofisticação muito grande nos arranjos, nas composições e na produção. Em “Pausa” isso se repete… O disco de Thiago Pethit (“Mal dos Trópicos”) que você produziu, por exemplo, é um bom exemplo disso (é dos meus preferidos de 2019). Como funciona o seu processo criativo?

Como toda emoção é sofisticada e rica em nuances, tentamos transmitir isso ao criar. Então para mim todos os recursos disponíveis devem ser considerados, desde os mais modernos como síntese, edições super-humanas feitas em software, uso de samples, efeitos granulares até uma bela performance de alguém que passou a vida se especializando na sua própria feitura, como tocar um instrumento ou gravar. O relógio analógico apresenta todas as horas mas aponta somente uma de cada vez e quando criamos acho que devemos tentar fazer o mesmo com as emoções e recursos disponíveis.

Assistindo às imagens eu tive uma sensação dúbia. Ao mesmo tempo em que se admira a beleza dessas cidades, também se sente uma certa angústia, muito em virtude da trilha sonora. Gostaria que você comentasse um pouco sobre essa relação entre música e sentimento.

Sim, os espaços urbanos esvaziados são a sombra de uma cidade. Sem que a gente os ocupe, eles se tornam não-lugares e essa ideia é angustiante. O Jacob teve a ideia do vídeo quando ouviu a música, então acho que o sentimento já estava lá de maneira não verbal e ele, muito sensível, captou isso e respondeu visualmente com essa ideia, de compilarmos imagens de espaços esvaziados pela pandemia.

O lançamento deste curta teve uma gênese solitária, mas acabou ganhando ao longo do tempo 38 colaboradores vindos de várias partes do mundo. Como se formou essa rede de pessoas? É também uma forma de mostrar novos meios de conexão nesses tempos de distanciamento?

Certamente, sinto que estamos todos em busca de soluções para nos isolarmos fisicamente sem nos isolarmos social e espiritualmente. Na hora de fazer a música, eu esperava contar com a colaboração dos meus amigos, pois eles sabem que a recíproca é verdadeira. Mas ao contactar cinegrafistas de vários países que nunca me viram na vida e pedir para que eles confiem seus trabalhos a um desconhecido, as respostas positivas me emocionaram profundamente justamente por isso que você colocou na pergunta. De conseguirmos nos conectar e confiar em meio a uma crise destas.

 

“Pausa / Pause / Paus / 停顿 / Пауза / ठहराव” está disponível também no streaming, apenas em áudio.

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